As abelhas meliponíneas, conhecidas como abelhas sem ferrão, apresentam uma diversidade notável em suas estruturas de ninho e métodos de construção. Este artigo explora os principais componentes dos ninhos dessas abelhas, incluindo os depósitos de cera e cerume, a utilização de própolis, a formação de batumes, a estrutura das entradas e túneis, além da construção das células de cria e invólucros.
Ao compreender essas características, podemos apreciar não apenas a complexidade da arquitetura desses ninhos, mas também a adaptabilidade e a eficiência das abelhas em responder às exigências de seu ambiente. A análise desses elementos fornece uma visão abrangente sobre a biologia e ecologia das abelhas sem ferrão, ressaltando sua importância ecológica e os desafios que enfrentam na atualidade.
Os Depósitos de Cera e Cerume
Os Meliponíneos utilizam principalmente cerume em seus ninhos, que é uma mistura de cera e própolis. Nas colônias dessas abelhas, frequentemente encontramos pequenos depósitos-fábricas onde a cera pura, de cor branca, é misturada com própolis, resultando no cerume. As placas de cera pura, encontradas nesses depósitos, muitas vezes mantêm a forma original que tinham quando foram secretadas no abdome das abelhas.
Vicente Coelho de Seabra (1799, p. 103) foi o primeiro a identificar a presença de uma “cera resinosa”, que ele descreveu como negra e impura, no ninho da Arapuá, o que hoje conhecemos como cerume. Em algumas espécies, como a Leurotrigona muelleri, o cerume apresenta uma coloração amarela clara, com pouca mistura de resina (Yoko Terada, 1974, p. 9). Há, no entanto, pelo menos uma espécie, a Schwarzula timida, que, conforme F. Silvestri (1904, pp. 132, 157, 164, 169), utiliza apenas cera branca nas suas construções, sem mistura com própolis. Nos ninhos de Jataí (Tetragonisca angustula), é comum encontrar depósitos relativamente grandes de cera branca, pura ou quase pura.
O cerume também é armazenado em depósitos dentro dos ninhos. Às vezes, essa acumulação consiste em um engrossamento das paredes de potes ou cabos de cerume. Em outras ocasiões, as abelhas guardam o cerume na forma de placas espessas, colocadas diretamente sobre a madeira.
A proporção de cera e própolis no cerume afeta significativamente sua função estrutural de várias maneiras:
Resistência e Durabilidade: O própolis confere ao cerume propriedades antimicrobianas e resistência, aumentando sua durabilidade. Uma maior quantidade de própolis pode tornar o cerume mais robusto, ajudando a proteger o ninho contra patógenos.
Flexibilidade: A cera proporciona flexibilidade ao cerume. Se houver uma proporção maior de cera, o material resultante será mais maleável, permitindo que as abelhas moldem melhor as estruturas do ninho.
Impermeabilidade: O equilíbrio entre cera e própolis pode influenciar a impermeabilidade do cerume. Uma mistura com mais cera tende a ser mais impermeável, protegendo as colônias de umidade e elementos externos.
Isolamento Térmico: A cera é um bom isolante, e uma maior proporção de cera no cerume pode melhorar o controle térmico do ninho, essencial para a sobrevivência das larvas.
Adesão: O própolis aumenta a adesão do cerume às superfícies internas do ninho, ajudando na fixação das estruturas e minimizando o desgaste.
Essas variáveis tornam o cerume um material versátil e adaptável, essencial para a construção e manutenção dos ninhos das abelhas meliponíneas.
Os Depósitos de Própolis
Nos ninhos de Meliponíneos, frequentemente encontramos acumulações de resina vegetal, também conhecida como própolis. Em diversas espécies, como as abelhas da tribo Meliponini, o própolis armazenado tende a ser pouco mole e endurece com o tempo. Esse própolis é geralmente obtido de árvores que foram feridas, danificadas ou, em alguns casos, perfuradas por larvas de certos insetos.
L. Castello-Branco (1845, pp. 58, 63) foi o primeiro a mencionar “substâncias viscosas” e a resina ou breu manipuladas pelas abelhas indígenas sem ferrão. No entanto, existem espécies, como a Jataí e as Mirins (Plebeia spp), que apresentam depósitos de um própolis extremamente viscoso. Quando um pequeno estilete é imerso nesses depósitos e, em seguida, puxado, forma-se um fio de própolis surpreendentemente longo.
A viscosidade do própolis tem um impacto significativo na construção do ninho das abelhas meliponíneas. Veja como:
Adesão: O própolis mais viscoso adere melhor a superfícies, garantindo que as estruturas do ninho se mantenham firmes e estáveis.
Preenchimento de Fendas: A alta viscosidade permite que o própolis preencha fendas e buracos de maneira eficaz, selando o ninho contra infiltrações de água e protegendo contra predadores.
Modelagem: O própolis viscoso pode ser moldado mais facilmente pelas abelhas, permitindo a criação de formas e estruturas que atendem às necessidades da colônia.
Isolamento: A viscosidade contribui para a formação de camadas espessas, que ajudam no isolamento térmico, essencial para a manutenção da temperatura ideal no ninho.
Proteção: O própolis, por ser mais denso e viscoso, oferece uma barreira eficaz contra patógenos e microrganismos, protegendo as larvas e a colônia.
Os Batumes
Nas espécies da tribo Meliponini, observam-se grandes formações de barro misturadas ao própolis, formando o geoprópolis (Nogueira-Neto, 1962-B). Esse fenômeno ocorre, por exemplo, nos ninhos da Uruçu Nordestina (Melipona scutellaris), da Manduri (Melipona marginata), da Tujuba (Melipona rufiventris mondury), Guarupu (Melipona bicolor) e em muitas outras espécies da mesma tribo.
Outras abelhas da tribo, como a Mandaçaia (Melipona quadrifasciata), a Jandaíra (Melipona subnitida) e a Manduri de Mato Grosso (Melipona favosa orbignyi), apresentam barro acumulado junto ao própolis. No entanto, nessas espécies, os dois materiais costumam estar mais separados ou misturados de maneira grosseira, podendo ser denominados de “para geoprópolis”.
Tanto o geoprópolis quanto o “para geoprópolis” podem conter outras substâncias. Essas massas, preparadas pelas abelhas, são o que H. von Ihering (1903-1930, p. 441) chamou de batumes. Elas servem para vedar frestas ou delimitar as cavidades onde os Meliponíneos habitam. Na tribo Trigonini, os batumes são feitos de cerume, frequentemente rico em própolis, e, em alguns casos, podem incluir outros materiais e são, geralmente, menos espessos do que os dos Meliponini.
O batume crivado apresenta pequenos canais ou orifícios que permitem a ventilação dos ninhos. O própolis é amplamente utilizado para vedar frestas nos ninhos dos Meliponíneos. Em certas espécies, como a Borá (Tetragona clavipes), o própolis pode constituir a maior parte ou quase a totalidade dos batumes e, em alguns casos, pode revestir total ou parcialmente as paredes do ninho. A ventilação proporcionada pelo batume crivado tem um papel crucial no desenvolvimento da colmeia das abelhas sem ferrão. Veja como isso acontece:
Controle de Temperatura: A ventilação ajuda a regular a temperatura interna da colmeia, criando um ambiente mais estável e adequado para o desenvolvimento das larvas e a produção de mel.
Umidade: Mantendo a umidade em níveis adequados, a ventilação previne o acúmulo de umidade excessiva, que pode levar a problemas como o bolor e doenças.
Oxigenação: A circulação de ar melhora a oxigenação dentro do ninho, essencial para a saúde das abelhas e para a adequada respiração da colônia.
Eliminação de Odores: A ventilação ajuda a dissipar odores e gases produzidos pelas abelhas e pela decomposição de materiais, contribuindo para um ambiente mais limpo e saudável.
Redução de Patógenos: Um fluxo de ar adequado pode ajudar a reduzir a umidade e a temperatura, inibindo o crescimento de fungos e bactérias, além de melhorar a higiene geral do ninho.
A Entrada e o Túnel de Ingresso
Na entrada das colmeias de abelhas indígenas é possível distinguir uma parte externa e outra interna.
A parte externa, apresenta-se como um tubo de cerume, que pode ter um pouco de cera amarela quase branca, isso para a maioria das espécies. Algumas espécies, como o Mombucão (Cephalotrigona capitata) e a Borá (Tetragona clavipes), não possuem uma entrada projetada para o exterior, ou essa entrada é uma pequena saliência que endurece com o tempo. Existem também entradas de outros tipos, como a “boca de sapo” de barro, observadas na Cupira do Sudeste (Partamona helleri) e mencionadas por H. von Ihering (1903-1930, pp. 653-655, 673).
Na tribo Meliponini, a entrada tem um aspecto peculiar, sendo constituída por um orifício central rodeado por raias de barro ou geoprópolis. Às vezes, essas raias terminam em pontas voltadas para fora, mas geralmente são simples cristas salientes, alternadas com sulcos em torno do orifício de entrada. Muitas vezes, quase não há cristas ou sulcos.
No interior do ninho, independentemente do tipo de entrada, há outro tubo. Para diferenciá-lo do tubo externo, que muitas espécies possuem, é preferível chamá-lo de túnel de ingresso. Esse túnel foi primeiramente descrito por E. T. Bennett (1831-1868, pp. 25-26) como uma “galeria”. Ele varia em comprimento e largura, podendo ter alguns centímetros. Às vezes, esse túnel apresenta uma abóbada pronunciada, como observado em uma Mirim Droriana (Plebeia droryana). Em muitas abelhas, a parte terminal superior do túnel se projeta levemente para frente, formando a “palma” ou “marquise”.
As Células e os Favos de Cria
Em geral, o túnel de ingresso desemboca perto do lugar onde estão as células de cria. Essas células podem estar justapostas umas às outras, formando favos compactos. Estes são apenas simples discos horizontais superpostos. As abelhas indígenas sem ferrão fazem a primeira célula de um favo de cria, construída como
um pequeno cilindro no ápice de uma coluna de cerume.
Muitas espécies, ao invés de apresentarem favos compactos, tem células de cria que pouco se tocam, estando assim quase que isoladas das suas vizinhas, constituindo verdadeiros cachos. Há também tipos intermediários entre os favos compactos e os cachos de células.
As células de cria novas são feitas com cerume. Contudo, há espécies que utilizam cera pura branca. Depois de enchidas na maior parte de sua capacidade com alimento larval, as células de cria dos Meliponineos recebem um ovo e são em seguida fechadas. Durante todo o desenvolvimento da cria (fases de larva e pupa) a célula permanece cerrada, sendo aberta somente quando sai o inseto adulto.
Quando a larva já comeu bastante, no estágio seguinte de pré-pupa, a abelha imatura tece o seu casulo. Após fazer isso, a pré-pupa defeca, geralmente no fundo da célula. As pelotas de excremento assim depositadas, tornam o fundo das células duro e resistente, o que facilita o manuseio dos favos que estão na fase de casulo (com pré-pupas e pupas). Quando o casulo já está presente, as abelhas adultas da colônia raspam quase todo o cerume que conseguem retirar, resultando em células que apresentam um aspecto semelhante ao de papel de seda, com uma cor creme clara. O cerume removido dessas células é reaproveitado pelas abelhas em outras construções do ninho.
Após a saída da jovem abelha de sua célula, esta é destruída. No lugar dos casulos demolidos, permanece um espaço vazio por algum tempo. Nesse espaço, as abelhas constroem novos cachos de células ou novos favos compactos de cria, dependendo da espécie à qual pertencem.
A “frente de avanço” na construção de células é regulada pelas abelhas de várias maneiras:
Coordenação Social: As abelhas trabalham em conjunto, comunicando-se por meio de danças e feromônios para coordenar a construção e a adição de novas células.
Distribuição de Tarefas: Diferentes abelhas podem assumir funções específicas, como a coleta de cera ou a construção das células, permitindo uma organização eficiente no avanço da frente.
Respostas ao Espaço Disponível: As abelhas ajustam a construção com base no espaço disponível no ninho, ampliando ou reduzindo a frente de avanço conforme necessário.
Condições Ambientais: Fatores como temperatura e umidade podem influenciar a construção. As abelhas podem regular a frente de avanço em resposta a essas condições para garantir a integridade do ninho.
Feedback Visual e Táctil: As abelhas utilizam feedback visual e táctil para monitorar o progresso da construção, ajustando a forma e a posição das células conforme necessário.
O Invólucro
Geralmente, em torno dos favos de cria, existem diversas lamelas de cerume, concêntricas mas muito irregulares. O conjunto dessas membranas forma o invólucro o qual envolve mais ou menos completamente as células de cria e serve para conservar o calor na região dos favos de cria. Há certas espécies, porém, nas quais não existe invólucro algum. Isso ocorre na quase totalidade dos Meliponíneos que constroem células de cria em “cacho”.
Há dois tipos de invólucro: – endoinvólucro e exoinvólucro. O primeiro está no entorno dos favos de cria. O exoinvólucro, como o nome indica, é o que está em contato com o exterior, constituindo o envoltório ou capa
externa do ninho. Tanto o endo, como o exoinvólucro podem ter espessuras distintas, dependendo das necessidades de isolamento térmico ou proteção contra predadores.
Os Potes de Alimentos
Fora da região de cria, ou às vezes encostados nela, estão os potes feitos de cerume ou de cera pura (conforme a espécie), nos quais as abelhas sem ferrão guardam os seus alimentos. Quando os favos de cria são do tipo compacto, costuma haver invólucro e quase sempre os potes estão fora do mesmo, sendo comumente ovais, ou melhor, ovóides, mas podem ser também quase esféricos ou de forma irregular. Se o ninho tem espaço bastante amplo, eles ficam agrupados muito irregularmente, estando até mesmo isolados.
De um modo geral, os potes de pólen se encontram mais próximos aos favos de cria do que os potes de mel.
Considerações Finais
A construção dos ninhos das abelhas meliponíneas revela uma intrincada interação entre biologia, ecologia e comportamento social. Os diversos componentes, como o cerume, o própolis, os batumes e as células de cria, demonstram a adaptabilidade dessas abelhas às condições ambientais e suas necessidades específicas. A forma como essas abelhas utilizam materiais disponíveis para construir estruturas que garantem proteção, isolamento térmico e armazenamento de alimentos é um testemunho de sua engenhosidade.
Além disso, a diversidade nas técnicas de construção entre diferentes espécies ilustra a evolução e a especialização dos Meliponíneos ao longo do tempo. À medida que enfrentam desafios como a perda de habitat e mudanças climáticas, entender a complexidade de seus ninhos torna-se essencial para a conservação dessas espécies e a promoção da biodiversidade, além de contribuir para a construção de meliponários apropriados.