A Samora ou Samburá, os Óleos Florais e as Proteínas Animais na Vida das Abelhas Sem Ferrão

O pólen desempenha um papel essencial, sendo indispensável tanto para a sobrevivência das abelhas quanto para a produção de frutos e sementes de diversas plantas, cultivadas e silvestres. 

Neste artigo, a atenção se volta especialmente para a samora ou saburá, que corresponde ao pólen já processado, modificado, armazenado e posteriormente utilizado pelos Meliponíneos. Além disso, essas abelhas fazem uso de lipídios vegetais (gorduras). Algumas espécies, por sua vez, complementam sua alimentação com proteínas de origem animal, consumindo carnes, vísceras e outros tecidos de animais mortos.

A Função do Pólen

Cada grão de pólen guarda em seu interior mais do que apenas os cromossomos que definirão a herança genética masculina de uma futura planta. Ele também contém substâncias de reserva essenciais para o crescimento do tubo polínico. A quantidade desses componentes—principalmente água, aminoácidos e carboidratos—é mínima em cada grão isolado. No entanto, ao considerar que uma única carga de pólen transportada por uma abelha reúne inúmeros desses grãos, percebemos que se trata de uma fonte de alimento de grande valor e importância.

O pólen fornece os aminoácidos (necessários à construção das proteínas) para as abelhas. As células que constituem o corpo dos animais e grande parte das secreções produzidas por suas glândulas para a alimentação da cria e para outras finalidades, são feitas a partir de aminoácidos. As proteínas consumidas pelos animais são quebradas durante a digestão, transformando-se em aminoácidos que são amplamente reutilizados na síntese de novas proteínas. As abelhas seguem essa mesma regra. Elas não conseguiriam sobreviver sem uma fonte de aminoácidos, que, para quase todas, é o pólen.

A Colheita do Pólen e Seu Transporte

Os meliponíneos, como por exemplo a JATAI (Tetragonisca angustula), usam as patas dianteiras para remover o pólen das anteras das flores. Em seguida, concentram esse pólen na parte ventral do tórax. Depois o pólen é retirado desse depósito provisório e passado para as corbículas das patas traseiras. As corbículas são uma expansão algo encurvada localizadas nas tíbias. 

Estudos demonstram que a JATAI (Tetragonisca angustula) tem uma capacidade maior que a MANDAÇAIA (Melipona quadrifasciata) e a URUÇU NORDESTINA (M. scutellaris) para transportar cargas de pólen, em 

relação ao peso do seu próprio corpo. Ou seja, muito mais eficientes no transporte de pólen, que um meliponídeo muito mais pesado. Esses mesmos estudos notaram que há uma fidelidade muito alta (97%) que as abelhas campeiras mostraram a um mesmo tipo de flores, durante cada incursão forrageira. Assim, há uma tendência a não misturar pólens diferentes, tendência que é eficiente para fins de polinização.

A Samora ou Saburá

O pólen colhido pelas abelhas é transportado para a sua colmeia ou para o seu ninho silvestre. Ali, as abelhas o depositam em potes de cerume. O pólen é, então,  depositado no interior dos potes pelas abelhas campeiras, sob a forma de pequenas pelotas. Trata-se apenas do pólen removido de cada uma das 2 corbículas. 

Às vezes, ainda é possível identificar, pela cor e pelo aspecto, a forma das pelotas depositadas. No entanto, geralmente o pólen armazenado apresenta uma aparência semelhante à massa de padeiro e uma consistência pastosa. Nesse estágio, o pólen já foi intensamente processado pelas abelhas, deixando de ser apenas o pólen coletado das anteras das flores, que foi levemente umedecido com néctar. Ele se transforma em algo totalmente diferente. Esse alimento das abelhas é chamado de samora, saburá ou samburá. Num ninho, os potes de pólen das abelhas sem ferrão tendem a ficar mais próximos entre si, mas não estão separados dos potes de mel. 

A samora/saburá (polem) é manipulada pelos Meliponíneos com suas mandíbulas. Durante esse processo, ela recebe secreções das abelhas, que parecem originar-se das glândulas mandibulares e das glândulas hipofaringeanas. O pólen estocado tem 6 vezes mais ácido lático, mais açúcares reduzidos e possui

vitamina K do que o pólen recebido.

A Ação dos Microorganismos na Samora/Saburá (Póle)

O pólen armazenado, conhecido como samora/saburá, é um produto cuja elaboração envolve reações químicas complexas que exigem a participação de várias espécies de bactérias. Portanto, ao transferir uma colônia de abelhas sem ferrão para uma nova colmeia, é importante levar um pouco de samora/saburá, pois ela contém esses microorganismos essenciais. No entanto, devido ao risco de ataque por larvas de algumas mosquinhas (Forídeos), essa transferência deve ser realizada com cautela, mas não dispensada. É provável que as abelhas obtêm no próprio pólen colhido, ou trazem consigo os microorganismos necessários ou úteis ao processamento do pólen colhido.

Entre as principais espécies de bactérias presentes no pólen, destacam-se:

Lactobacillus spp.: Estas bactérias lácticas ajudam na fermentação do pólen, contribuindo para a preservação e a digestibilidade.

Bifidobacterium spp.: Conhecidas por seus benefícios à saúde intestinal, também podem estar presentes na samora/saburá.

Enterobacter spp.: Estas bactérias podem participar do processo de degradação de compostos no pólen.

Essas bactérias colaboram para a transformação do pólen em um alimento mais nutritivo e seguro para as abelhas.

Outro aspecto a ser considerado é que, ao guardar a samora/saburá (pólen) na geladeira durante a transferência de colmeias, não se deve colocá-la no freezer. Essa prática pode afetar alguns microorganismos devido ao excesso de frio, embora ainda haja pouco conhecimento sobre as características vitais das bactérias presentes na samora/saburá.

Os Óleos Florais

Segundo John L. Neff & Beryl B. Simpson (1981 p. 99), certas plantas têm nas flores algumas estruturas especiais, chamadas elaióforos que são os órgãos glandulares que secretam lipídios geralmente chamados óleos florais. Ainda de acordo com J. L. Neff & B. Simpson (loc.cit.), os elaióforos geralmente são constituídos por grupos de pêlos secretores (tricomos) ou por elaióforos epiteliais. Nesse último caso, a secreção é 

primeiro coletada debaixo de uma cutícula, que depois se separa das células da epiderme e forma uma “ferida” cheia do lipídio (óleo).

Estudos relatam que 3 espécies de Trigona e 1 espécie de Melipona, coletam óleo floral em certos tipos de plantas e, que podem também, misturar óleo e pólen na mesma carga.

Silvia R. M. Pedro (1994) publicou um estudo sobre abelhas coletoras de óleos nos cerrados de Cajurú (SP). Segundo a pesquisadora, 25,8% das espécies de abelhas capturadas nessa região colhem óleo floral, principalmente de flores de plantas da família Malpiguiáceas (44%). Entre as produtoras de óleos estão espécies do gênero Byrsonima, conhecidas como MURICIS. No entanto, parece que os Meliponíneos não são comumente encontrados como coletores de óleo em Cajurú. Silvia R. M. Pedro (op. cit.) destacou que os MURICIS, além de produzirem óleo, também oferecem néctar e pólen, o que pode atrair abelhas que não coletam óleo. É o caso de pequenos Meliponíneos como Leurotrigona, Tetragonisca e Paratrigona, que aproveitam o pólen que cai devido à ação de abelhas vibradoras de anteras. Contudo, nem sempre essas abelhas atuam como catadoras.

O pólen produzido por abelhas sem ferrão, especialmente aquelas que coletam óleos florais, possui diversas propriedades benéficas:

Alto Valor Nutricional: O pólen é rico em proteínas, aminoácidos essenciais, vitaminas (como B e C) e minerais, tornando-se um superalimento.

Propriedades Antioxidantes: Contém compostos antioxidantes que ajudam a combater o estresse oxidativo e a proteger as células.

Efeitos Anti-inflamatórios: O pólen pode ajudar a reduzir inflamações no organismo, contribuindo para a saúde geral.

Apoio ao Sistema Imunológico: O consumo regular de pólen pode fortalecer o sistema imunológico, ajudando a prevenir doenças.

Regulação do Metabolismo: O pólen é conhecido por auxiliar na regulação do metabolismo, podendo ser benéfico para a gestão de peso e energia.

Propriedades Antimicrobianas: Pode possuir ação antimicrobiana, ajudando a combater infecções.

Melhora da Saúde Digestiva: O pólen é rico em fibras, o que pode beneficiar a saúde digestiva e o trânsito intestinal.

Algumas Fontes de Proteína Animal

Fritz Müller (in H. Müller, 1875 p.48), foi o primeiro a descrever a procura de carniça por um Meliponíneo. Nesse caso, um sapo morto foi visto coberto de abelhas CAGA-FOGO (Oxytrigona tataira), inclusive dentro da sua boca. O sapo já estava meio apodrecido. Foi dito também que essas abelhas ” …entram nas tripas de animais mortos”. (ecologia.ib.usp.br).

A Trigona hypogea, conhecida como Mombuca Carnívora, obtém as proteínas e aminoácidos de que necessita através da digestão externa de carnes e vísceras de animais mortos. Essa abelha regurgita sobre esses materiais certas secreções que os digerem, liquefazendo-os. Dessa forma, os produtos já digeridos ou semi-digeridos podem ser transportados para a colônia na vesícula melífera dessas abelhas. João M. F. Camargo e David W. Roubik (1991, pp. 32-35) confirmaram essas informações e acrescentaram que, além da Trigona hypogea, também outras espécies do gênero Trigona compartilham esse comportamento.

Além da Trigona hypogea, outras espécies do gênero Trigona que também apresentam comportamento carnívoro, as quais utilizam a digestão externa para aproveitar nutrientes de fontes animais, incluem:

Trigona carbonaria: Conhecida por coletar proteínas de fontes animais.

Trigona spinipes: Também se alimenta de carnes e vísceras.

Existe uma variação geográfica no comportamento carnívoro das abelhas do gênero Trigona. Essa variação pode ser influenciada por fatores que podem resultar em diferentes estratégias de forrageamento e na adaptação das abelhas às condições locais. Esses fatores são:

Disponibilidade de recursos: Em regiões onde há abundância de flores e néctar, as abelhas podem preferir fontes vegetais em vez de carnívoras.

Habitat: Em ambientes onde a competição por recursos é alta, algumas populações podem desenvolver comportamentos carnívoros mais acentuados para garantir a obtenção de proteínas.

Cultura local: Em algumas áreas, práticas humanas podem influenciar o comportamento das abelhas, como a disposição de restos de animais que podem ser utilizados como fonte de alimento.

É necessário notar que há uma diferença entre as espécies obrigatoriamente necrófagas, ou seja, cuja 

única fonte de proteínas são animais mortos, e outras espécies que eventualmente ou até persistentemente visitam animais mortos. Estas últimas abelhas também consomem pólen como fonte de proteínas.

Considerações Finais

O estudo das abelhas sem ferrão e suas interações com o meio ambiente revela a complexidade e a riqueza de suas práticas alimentares, especialmente no que diz respeito ao pólen e à utilização de fontes carnívoras. O pólen, fundamental para a sobrevivência das colônias, não apenas fornece aminoácidos essenciais, mas também desempenha um papel crucial na polinização de diversas plantas, contribuindo para a biodiversidade e a produção de frutos e sementes. A transformação do pólen em samora ou saburá pelas abelhas, com a ajuda de microorganismos, demonstra a habilidade dessas espécies em otimizar seus recursos alimentares.

Além disso, a coleta de óleos florais e o comportamento carnívoro de algumas espécies de Trigona ilustram a adaptação das abelhas às condições locais e à disponibilidade de recursos. A variação geográfica no comportamento alimentar, influenciada por fatores como habitat e competição, ressalta a flexibilidade e a resiliência dessas abelhas em ambientes diversos.

A compreensão dessas dinâmicas é vital não apenas para a conservação das abelhas sem ferrão, mas também para a preservação dos ecossistemas nos quais elas operam. A pesquisa contínua sobre seus hábitos alimentares e interações ecológicas pode oferecer insights valiosos sobre a saúde ambiental e a importância das abelhas na agricultura e na manutenção da biodiversidade. Assim, reconhecer e valorizar o papel das abelhas sem ferrão é essencial para garantir um futuro sustentável para esses polinizadores e para o equilíbrio dos ecossistemas.

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