BEBEDOUROS CASEIROS PARA MELIPONÁRIOS URBANOS EM CLIMAS QUENTES

Bebedouro de grarrafa PET invertida com prato e pedrinhas coloridas

Como meliponicultor apaixonado há alguns anos, tenho experimentado diversos sistemas para garantir o bem-estar das minhas colônias de abelhas nativas em ambiente urbano. Entre os desafios que enfrentamos, especialmente em regiões de clima quente, está a disponibilidade constante de água limpa para nossas abelhas.

Diferente do que muitos pensam, as abelhas nativas também necessitam de água, principalmente durante períodos de calor intenso, quando utilizam este recurso tanto para regular a temperatura da colmeia quanto para diluir mel cristalizado. Durante minha jornada na meliponicultura urbana, desenvolvi e adaptei diversos modelos de bebedouros caseiros que se mostraram eficientes para diferentes espécies de abelhas nativas.

Neste artigo, compartilho minhas experiências na criação e manutenção desses bebedouros, suas vantagens e como implementá-los em seu meliponário, garantindo a vitalidade e produtividade das colônias mesmo nos dias mais quentes do ano.

A Importância da Água para Abelhas Nativas em Ambientes Urbanos

As abelhas nativas, utilizam água para diversas funções vitais dentro da colônia. Através de observações sistemáticas em meu meliponário urbano, identifiquei três principais usos:

Regulação térmica: Em dias quentes, especialmente acima de 30°C, as abelhas coletam água e a distribuem em finas camadas dentro da colmeia. A evaporação natural dessa água ajuda a reduzir a temperatura interna, protegendo o disco de cria e os potes de alimento.

Diluição de mel cristalizado: Durante períodos de escassez, quando precisam acessar reservas antigas de mel que possam ter cristalizado, as abelhas nativas utilizam água para reidratar esses recursos.

Construção do ninho: Algumas espécies misturam água com própolis e resinas para produzir cerume com diferentes texturas, utilizado tanto na estrutura do ninho quanto na confecção de tubos de entrada.

Desafios hídricos no meio urbano

O ambiente urbano apresenta particularidades que tornam mais difícil o acesso à água limpa pelas abelhas:

  • Escassez de fontes naturais como riachos e poças d’água

  • Contaminação de fontes urbanas disponíveis (piscinas com cloro, água parada com poluentes)

  • Competição com outras espécies por pontos de água

  • Riscos de afogamento em reservatórios não adaptados para abelhas


Em meu próprio quintal, antes de implementar bebedouros adequados, observava minhas abelhas mirim tentando coletar água em pequenas poças formadas após a irrigação das plantas, com riscos evidentes de afogamento e contaminação.

Princípios Básicos para Bebedouros Eficientes

Após diversas tentativas e aperfeiçoamentos, identifiquei características fundamentais que um bom bebedouro para abelhas nativas deve apresentar:

Características essenciais

Local de pouso seguro: Superfícies que permitam às abelhas pousar com segurança, sem risco de afogamento.

Água sempre limpa: Sistema que mantenha a água livre de contaminações e que permita fácil limpeza.

Abastecimento contínuo: Mecanismo que garanta fornecimento constante mesmo durante dias muito quentes.

Proteção contra predadores: Desenho que dificulte o acesso de formigas, lagartixas e outros predadores comuns em áreas urbanas.

Fácil visualização: As abelhas precisam encontrar facilmente o bebedouro, preferencialmente próximo ao meliponário.

Posicionamento estratégico

A localização do bebedouro influencia diretamente sua eficiência. Em meu meliponário, obtive melhores resultados seguindo estas regras:

  • Instalar os bebedouros a uma distância de 2 a 5 metros das colmeias
  • Posicionar em local parcialmente sombreado (evitando sol direto na água)
  • Manter afastado de fontes de contaminação como lixeiras ou áreas com produtos químicos
  • Colocar em altura similar à das entradas das colmeias (facilitando a identificação pelas abelhas)

Modelos Caseiros de Bebedouros para Meliponários Urbanos

Modelo 1: Bebedouro de garrafa invertida com prato

Este foi o primeiro modelo que adotei com sucesso para minhas abelhas e continua sendo um dos mais práticos:

  • Materiais necessários:

Garrafa PET transparente (500ml ou 1L)
Prato raso (plástico ou cerâmica)
Pequenas pedras lisas ou bolinhas de gude
Prego e martelo

  • Passo a passo da montagem:

  1. Lave bem a garrafa e o prato
  2. Faça um pequeno furo na tampa da garrafa (diâmetro de 2-3mm)
  3. Disponha as pedras no prato, criando pequenas ilhas e canais
  4. Encha a garrafa com água filtrada
  5. Feche bem e inverta sobre o prato, deixando a tampa quase tocando as pedras

Este modelo funciona pelo princípio do vácuo, liberando água aos poucos conforme as abelhas consomem. As pedras servem como local seguro para pouso, evitando afogamentos. Em meu meliponário, observei que este modelo atende bem colônias menores, como de abelhas mirim (Plebeia droryana), que visitam o bebedouro principalmente nas horas mais quentes do dia.

Modelo 2: Bebedouro capilar com corda

Para meliponários maiores, desenvolvi este modelo que utiliza o princípio da capilaridade:

  • Materiais necessários:

Recipiente plástico com tampa (pote de sorvete funciona bem)
Recipiente raso e largo (base de vaso de planta)
Corda de algodão (30-40cm)
Furadeira com broca fina

  • Passo a passo da montagem:

  1. Faça um furo na tampa do recipiente, com diâmetro suficiente para passar a corda
  2. Passe a corda pelo furo, deixando uma ponta dentro do recipiente (submersa na água) e outra caindo para o recipiente raso
  3. Encha o recipiente superior com água filtrada
  4. Posicione o conjunto de modo que a corda toque o fundo do recipiente raso

A água desce por capilaridade através da corda, mantendo uma pequena poça constante no recipiente inferior. Este sistema tem a vantagem de manter um fluxo contínuo mesmo com consumo variável. Em meu meliponário, este modelo atendeu muito bem as necessidades de colônias mais populosas como jataí e mandaçaia.

Modelo 3: Bebedouro de argila com sistema de autolimpeza

Este é o modelo mais sofisticado que desenvolvi, inspirado em bebedouros de aves:

  • Materiais necessários:

Vaso de argila pequeno com prato
Garrafa de vidro (exclusiva para esta finalidade)
Areia grossa lavada
Pequenas pedras decorativas

  • Passo a passo da montagem:

  1. Tampe o furo do vaso de argila com uma pequena pedra
  2. Coloque uma camada de 2cm de areia grossa no prato
  3. Posicione o vaso invertido sobre o prato
  4. Encha a garrafa com água filtrada
  5. Inverta rapidamente a garrafa sobre o conjunto, encaixando o gargalo no furo do vaso (anteriormente tampado)
  6. Distribua algumas pedras decorativas sobre a areia

Este sistema libera água gradualmente através da porosidade da argila e da areia, criando uma superfície úmida onde as abelhas podem pousar com segurança. A argila tem o benefício adicional de manter a água naturalmente mais fresca, mesmo em dias quentes. Particularmente eficiente em meliponários expostos a temperaturas acima de 32°C.

Manutenção e Cuidados Essenciais

Um dos aspectos mais importantes na manutenção de bebedouros para abelhas é a limpeza regular.

Rotina de limpeza

Limpeza semanal: Esvazie completamente o bebedouro, lave com água corrente (sem sabão ou produtos químicos) e reabasteça com água limpa e filtrada.

Limpeza mensal profunda: Desmonte completamente o bebedouro, deixe as partes secarem ao sol (efeito desinfetante natural) e remonte com componentes limpos.

Em meu meliponário, estabeleci um dia fixo da semana para vistoria e limpeza de todos os bebedouros, o que reduziu significativamente problemas como proliferação de algas ou acúmulo de detritos.

Adaptações para climas extremamente quentes

Para regiões onde as temperaturas frequentemente ultrapassam 35°C, desenvolvi algumas adaptações específicas:

  • Adição de uma pequena cobertura de sombra exclusiva para o bebedouro

  • Posicionamento de uma garrafa de água congelada próxima ao bebedouro nas horas mais quentes (criando um microclima mais fresco)

  • Aumento da capacidade de reservatório para comportar maior consumo

Atraindo as Abelhas para o Bebedouro

Uma dificuldade comum é fazer com que as abelhas descubram e comecem a utilizar o novo bebedouro. Algumas técnicas que utilizei com sucesso:

  • Adicionar algumas gotas de água com mel bem diluído nos primeiros dias (1 colher de mel para 1 litro de água)

  • Posicionar temporariamente o bebedouro próximo à entrada da colmeia e depois movê-lo gradualmente para o local definitivo

  • Utilizar um prato de cor amarela ou azul (cores atrativas para abelhas)


Em minha experiência com abelhas nativas, observei que elas geralmente demoram entre 3 e 7 dias para incorporar um novo bebedouro em sua rotina de coleta.

Observações e Aprendizados ao Longo do Tempo

Após implementar diferentes bebedouros em meu meliponário urbano por vários anos, pude observar padrões interessantes:

  • As colônias mais populosas tendem a designar abelhas específicas para a coleta de água

  • O consumo de água aumenta significativamente quando a temperatura ultrapassa 30°C

  • Nos períodos mais secos do ano, a disponibilidade de água influencia diretamente a atividade geral da colônia

  • Algumas espécies, principalmente as menores, preferem coletar água em superfícies úmidas ao invés de diretamente em pequenos poços

Considerações Finais

A implementação de bebedouros caseiros em meliponários urbanos representa não apenas um suporte vital para as colônias durante os períodos de calor intenso, mas também um exercício fascinante de observação e adaptação às necessidades específicas de nossas abelhas nativas. Ao longo destes anos dedicados à meliponicultura urbana, percebi que pequenos detalhes fazem grande diferença na aceitação e eficiência dos bebedouros.

Os modelos apresentados neste artigo podem ser facilmente construídos com materiais rotineiros e de baixo custo, tornando-os acessíveis para qualquer meliponicultor. O mais importante é observar o comportamento das abelhas e adaptar o design conforme necessário para sua realidade local.

Ao oferecer água limpa e segura para nossas abelhas nativas, não estamos apenas contribuindo para a saúde e produtividade de nossas colônias, mas também exercendo um papel importante na conservação destas espécies fundamentais para a biodiversidade urbana.

Espero que as experiências e modelos compartilhados inspirem outros meliponicultores a criarem seus próprios sistemas de fornecimento de água, adaptados às necessidades específicas de suas abelhas e às condições climáticas de sua região.

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