Méis, Melatos e Pólens que Podem Ser Tóxicos e seus Efeitos para as Pessoas

Embora o mel de abelhas sem ferrão seja valorizado por suas propriedades terapêuticas e nutricionais, é fundamental estar atento à possibilidade de contaminação por substâncias tóxicas, que podem comprometer a segurança do consumo humano. Essas substâncias podem estar presentes no mel, no pólen (conhecido como samora ou saburá) e no melato, e sua ocorrência está diretamente relacionada à vegetação disponível, ao manejo do meliponário e às condições ambientais.

Em algumas regiões, há registros de intoxicações associadas ao consumo de produtos das abelhas, o que reforça a importância de investigar o histórico da área antes de instalar uma criação. O contato com moradores mais antigos pode revelar episódios anteriores e prevenir problemas futuros.

Este artigo aborda as principais fontes de toxicidade relacionadas aos produtos das abelhas sem ferrão, além das plantas que oferecem risco por produzirem pólen ou néctar tóxico. Entender essas ameaças é essencial para promover uma meliponicultura segura, consciente e sustentável.

Substâncias Tóxicas Encontradas no Mel, Samora/ Saburá e Melato

A criação de abelhas, independentemente da espécie, não deve ser realizada em locais onde já tenham ocorrido casos de intoxicação causados pela ingestão de mel ou pólen. Exceções podem ser feitas apenas para fins experimentais, desde que com extremo cuidado. Antes de iniciar a criação, é fundamental consultar os moradores mais antigos da região para verificar a possível ocorrência desses episódios no passado. Essa é uma medida preventiva importante.

Essas substâncias podem variar em concentração e efeito dependendo da origem geográfica e das plantas visitadas pelas abelhas. 

Intoxicação por Grayanotoxinas

A intoxicação por grayanotoxinas é um tipo específico de envenenamento causado principalmente pelo consumo de mel tóxico, conhecido em algumas regiões como “mel louco”, produzido por abelhas que coletam néctar de plantas da família Ericaceae, como rododendros, azaleias e pieris.

São toxinas naturais presentes nessas plantas que afetam diretamente o sistema nervoso e cardiovascular, alterando a condução dos impulsos elétricos no corpo.

Sintomas comuns da intoxicação por grayanotoxinas:

Os sintomas surgem geralmente entre 30 minutos a 2 horas após o consumo e podem variar de leves a graves, dependendo da quantidade ingerida:

Sintomas gastrointestinais:

  • Náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal

Sintomas cardiovasculares:

  • Bradicardia (batimentos cardíacos lentos), hipotensão (pressão arterial baixa), palpitações,tontura ou sensação de desmaio

Sintomas neurológicos:

  • Tontura ou vertigem, fraqueza muscular, suor excessivo, sonolência, visão turva, confusão mental (em casos mais graves)

Sintomas respiratórios (mais raros):

  • Falta de ar, dificuldade para respirar

Em casos leves, os sintomas desaparecem sozinhos em 24 horas. Em casos moderados ou graves, pode ser necessário suporte médico com hidratação intravenosa, uso de atropina (para bradicardia) e monitoramento cardíaco.

Melato Tóxico

O melato tóxico produzido por abelhas sem ferrão é um fenômeno raro, mas que pode ocorrer em determinadas situações, principalmente quando as abelhas coletam secreções de insetos (como pulgões ou cochonilhas) que se alimentam de plantas tóxicas. Esse melato pode conter substâncias prejudiciais à saúde humana.

Sintomas causados pelo consumo de melato tóxico:

Os sintomas geralmente aparecem poucas horas após a ingestão e podem incluir:

  • Náuseas e vômitos, diarreia intensa, dor abdominal, dor de cabeça, tontura, febre leve, fraqueza ou mal-estar geral

Em casos mais graves (embora raros), pode haver comprometimento neurológico leve, como:

  • Confusão mental, sonolência extrema

Observações importantes:

O melado tóxico geralmente tem sabor, cor ou aroma alterado, podendo ser mais escuro ou ter cheiro desagradável.

A ocorrência está associada a certas regiões e períodos do ano, como a estação seca, quando há menor disponibilidade de flores e as abelhas buscam outras fontes de alimento.

Espécies como a Scaptotrigona postica (popularmente conhecida como tubi ou canudo) são mais suscetíveis a produzir mel com características atípicas (inclusive fermentadas), mas nem sempre isso indica toxicidade.

Intoxicação Causada por Mel Contaminado por Pesticidas

O mel contaminado por pesticidas representa um risco sério à saúde humana e pode causar diversos sintomas, dependendo do tipo e da concentração do agrotóxico presente. A contaminação geralmente ocorre quando as abelhas coletam néctar, pólen ou água em áreas pulverizadas com produtos químicos agrícolas.

Principais sintomas:

Gastrointestinais:

  • Náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia

Neurológicos:

  • Tontura, dor de cabeça intensa, fraqueza, tremores, confusão mental, convulsões (em casos graves)

Cardiovasculares:

  • Palpitações, aceleração ou diminuição da frequência cardíaca, pressão arterial instável

Outros sintomas:

  • Sudorese excessiva, salivação anormal, dificuldade para respirar, irritação nos olhos e garganta

Os pesticidas mais comuns detectados em mel incluem:

  • Neonicotinóides (como imidacloprida), Organofosforados, Carbamatos, Piretroides

Essas substâncias podem afetar diretamente o sistema nervoso central e até comprometer o fígado e rins, especialmente após exposições repetidas ou ingestão de doses elevadas.

Abelhas sem ferrão podem ser afetadas por pesticidas mesmo em pequenas quantidades, e o mel produzido pode carregar resíduos perigosos.

O uso de áreas livres de agrotóxicos e o manejo orgânico são fundamentais para garantir a segurança do mel e a saúde das colônias.

Micotoxinas no Mel

As micotoxinas no mel são substâncias tóxicas produzidas por certos tipos de fungos (principalmente dos gêneros Aspergillus, Penicillium e Fusarium) que podem contaminar o mel durante o armazenamento inadequado, especialmente em ambientes úmidos e quentes.

Principais efeitos das micotoxinas no organismo:

A ingestão de mel contaminado com micotoxinas pode provocar efeitos agudos ou crônicos, dependendo do tipo de micotoxina, da quantidade ingerida e da frequência de consumo.

Sintomas de intoxicação aguda:

  • Náuseas, vômitos, dor abdominal, diarréia, febre baixa, mal-estar geral

Efeitos crônicos e de longo prazo (exposição repetida):

  • Hepatotoxicidade (danos ao fígado), nefrotoxicidade (danos aos rins), neurotoxicidade (prejuízos ao sistema nervoso), imunossupressão (baixa imunidade), carcinogenicidade (potencial cancerígeno, especialmente em micotoxinas como aflatoxinas)

Principais micotoxinas encontradas em alimentos (inclusive no mel):

  • Aflatoxinas (altamente tóxicas e cancerígenas), Ocratoxina A, Fumonisinas, Zearalenona, Tricotecenos

Como ocorre a contaminação no mel:

  • Fermentação ou crescimento de fungos em mel mal armazenado, com alta umidade (acima de 20%).
  • Uso de recipientes não higienizados ou armazenamento em locais úmidos e quentes.
  • Pode ocorrer também em colmeias mal manejadas, principalmente em períodos chuvosos.

Como Prevenir:

  • Armazenar o mel em frascos herméticos, limpos e em local seco.
  • Evitar comercializar mel com sinais de fermentação ou alteração na cor/odor.
  • Analisar o teor de umidade do mel (idealmente abaixo de 18%).
  • Realizar boas práticas de manejo e higiene no meliponário.

Plantas Que Produzem Pólen Tóxico

Embora muitas plantas forneçam pólen de excelente qualidade nutricional para as abelhas, existem algumas espécies que produzem pólen tóxico, podendo causar sérios danos tanto às abelhas quanto aos seres humanos que consomem seus produtos. Esse tipo de contaminação, embora raro, pode gerar casos de intoxicação por mel ou pólen, sendo motivo de atenção especial para meliponicultores e apicultores.

Entre as plantas conhecidas por produzirem pólen ou néctar tóxico, destacam-se:

Trema micrantha – Popular em algumas regiões do Brasil, pode estar associada a casos de mel tóxico;

Kalanchoe spp. – Plantas ornamentais cujas flores contêm substâncias tóxicas que afetam abelhas e mamíferos;

Ageratina spp. (ex-Eupatorium) – Algumas espécies possuem alcaloides tóxicos;

Crotalaria spp. – Rica em alcaloides pirrolizidínicos, que podem contaminar o mel e o pólen, sendo prejudiciais à saúde humana;

Senecio spp. – Outra planta com alcaloides pirrolizidínicos potencialmente perigosos.

Mel da Abelha Feiticeira (Trigona recursa)

Medindo aproximadamente 8 mm, a abelha conhecida como Feiticeira recebeu esse nome devido a uma característica curiosa: o mel que produz é cercado de relatos sobre possíveis efeitos alucinógenos em quem o consome. Além disso, esse mel é considerado impróprio para o consumo humano, principalmente por conta dos hábitos pouco higiênicos da espécie. A Feiticeira tem o costume de visitar carcaças de animais e fezes, materiais que utiliza para construir a entrada de seu ninho. Essa entrada, com odor desagradável, serve como uma defesa natural, afastando predadores e visitantes indesejados.

Não é indicada a sua criação para a extração de mel. Historicamente, a espécie (vamos embora) é associada a uma lenda que diz que “o melador entendido sabe que, se ele, após ter saboreado o mel dessa espécie, disser ao companheiro: ‘vamos embora’, ambos estão desgraçados, pois não encontrarão o caminho para casa, e embrenhando-se no mato, aí ficarão para sempre, podendo ficar com tontura, como que embriagado, passar mal e perder o rumo”. Dizem alguns que o mel é tóxico ou inebriante, o que explicaria a origem da prevenção contra esta espécie (Nogueira-Neto, 1997). 

A abelha Feiticeira é encontrada em diversas regiões do Brasil, mas é mais comum em estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Esses estados incluem: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia,

Mato Grosso, Mato Grosso do Sul. Essas regiões possuem biomas como a Amazônia, o Cerrado e a Caatinga, que oferecem condições favoráveis para essa espécie de abelha. Por ser uma abelha que vive em cavidades naturais, como troncos ocos, ela se adapta bem a ambientes com abundância de árvores e vegetação nativa.

Mel da Abelha-Limão (Lestrimelitta limao)

A Lestrimelitta limao, popularmente conhecida como Iraxim, Iratim, Arancim, Aratim, Canudo, Sete-Portas, Limão, Limão-Canudo e Abelha-Limão, é uma abelha social da subfamília dos meliponíneos. Essa espécie constrói um grande ninho de barro, fixado entre os galhos, com uma entrada em forma de tubo.

A Abelha-Limão é uma espécie pilhadora, dependendo exclusivamente do saque a outros ninhos para sobreviver. Ela prospera em áreas com alta densidade de colônias de outras espécies. O sucesso em seus ataques a colônias hospedeiras se dá pela liberação de terpenoides voláteis das secreções cefálicas, provenientes das glândulas mandibulares. Esses compostos causam a dispersão dos indivíduos da colônia hospedeira, facilitando a pilhagem. Esse é o motivo pelo qual exalam um odor semelhante ao limão, o que lhes confere o nome popular de Abelha-Limão.

A Lestrimelitta limao é considerada uma abelha pilhadora ou cleptobiótica, ou seja, saqueia os ninhos de outras espécies para retirar o mel, o pólen e a cera, armazenados nas colmeias alheias.  Isso porque as operárias da Abelha-Limão não possuem corbícula, órgão localizado na tíbia posterior para o transporte de pólen e de outros materiais utilizados na estrutura do ninho. Ao saquear outras colmeias, essas operárias liberam substâncias voláteis, produzidas por suas glândulas mandibulares, que confundem a comunicação entre as abelhas da colmeia hospedeira, provocando a sua dispersão. Assim, as pilhadoras conseguem saquear os ninhos, levando o produto do saque, nos seus papos, até os seus próprios ninhos

O mel produzido pela Lestrimelitta limao é considerado tóxico e perigoso, se consumido  pelo homem, em razão das secreções tóxicas das glândulas mandibulares dessa abelha

Considerações Finais

A presença de substâncias tóxicas no mel, no pólen e no melato de abelhas sem ferrão, embora não seja comum, representa um risco real à saúde humana e deve ser levada a sério por criadores e consumidores. Intoxicações por grayanotoxinas, melato contaminado, resíduos de pesticidas e micotoxinas podem causar sintomas diversos, desde desconfortos gastrointestinais até efeitos neurológicos e cardiovasculares graves.

Por isso, é fundamental que o meliponicultor conheça bem a flora local, adote boas práticas de manejo e realize o armazenamento correto dos produtos da colmeia. A consulta a moradores mais antigos, o monitoramento das abelhas durante períodos críticos (como a seca) e o uso de áreas livres de agrotóxicos são medidas preventivas simples, mas extremamente eficazes.

Além disso, a atenção à umidade do mel, à aparência e ao cheiro dos produtos pode ajudar a identificar possíveis alterações. A segurança alimentar começa no meliponário e se reflete na confiança do consumidor final.

Ao unir conhecimento técnico, observação da natureza e responsabilidade ambiental, é possível garantir a produção de um mel seguro, puro e benéfico à saúde — como deve ser o verdadeiro mel das abelhas sem ferrão.

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