Roubos e furtos cometidos por outras abelhas são mais comuns do que a gente imagina no dia a dia das colônias de abelhas sem ferrão. Esse é um tema super relevante para quem trabalha com meliponicultura, porque, infelizmente, esses ataques podem deixar consequências graves e acabar comprometendo todo o manejo. É algo que precisa de atenção e prevenção constante.
Entender o que é a pilhagem, por que ela acontece e quais espécies estão envolvidas faz toda a diferença para quem cria abelhas. Neste artigo, vamos mergulhar nesse tema, mostrando como esse comportamento funciona, quais abelhas costumam agir assim e, o mais importante, o que você pode fazer para proteger suas colônias. A ideia é trazer informações práticas e úteis para manter suas abelhas seguras e saudáveis.
O que é a Pilhagem?
Pilhagem é o nome dado ao ataque de uma colônia de abelhas a outra, com o objetivo de roubar recursos, principalmente mel, pólen e materiais de construção como cerume e própolis. Este fenômeno ocorre quando uma colônia forte invade uma colônia mais fraca para saquear seus recursos armazenados.
Esse fenômeno pode causar sérios danos às colmeias invadidas, resultando na perda de reservas de mel e, em alguns casos, na destruição da colônia. O entendimento da pilhagem é crucial para os meliponicultores, pois permite desenvolver estratégias de proteção e manejo eficazes para evitar perdas significativas de colônias.
Quais Abelhas Vivem da Pilhagem?
A pilhagem é uma estratégia de sobrevivência adotada por algumas espécies de abelhas, principalmente aquelas que, ao longo da evolução, desenvolveram mecanismos sociais e fisiológicos voltados para a obtenção de recursos sem a necessidade de forrageamento tradicional. São ditas abelhas pilhadoras as quais representam uma ameaça , especialmente quando encontram colônias fracas ou mal protegidas.
A Abelha Ladra
Essas operárias nem sequer têm corbícula – aquela estrutura na pata traseira usada pelas abelhas para carregar pólen. Em vez disso, quando invadem uma colmeia, liberam substâncias voláteis por suas glândulas mandibulares, bagunçando totalmente a comunicação da colônia atacada. As abelhas ficam confusas, se dispersam, e aí entra o time da abelha-limão para saquear tudo. Elas carregam o material roubado em seus papos e levam direto para o ninho delas. Em alguns casos, vão além: tomam conta do espaço e passam a ocupar a colmeia invadida como se fosse delas.
A abelha-limão evoluiu para isso – tem mandíbula forte, é super ágil e tem uma comunicação em grupo extremamente eficaz. É um verdadeiro exército bem treinado.
Um ponto curioso é o famoso cheiro de limão que elas exalam durante o ataque. Por muito tempo se acreditou que esse cheiro vinha de moléculas chamadas citrais (neral e geranial), liberadas pelas glândulas mandibulares. Mas estudos mais recentes mostraram que quem realmente provoca a desorientação das abelhas da colônia atacada são duas substâncias produzidas nas glândulas salivares: acetato de hexadecila e acetato de 9-hexadecenila.
As Pilhagens entre Colônias de Meliponíneos
A pilhagem entre colônias de abelhas sem ferrão pode acontecer de diferentes formas. Em algumas situações, ela ocorre de maneira discreta, quase imperceptível, sem confronto direto – o que chamamos de furto. Já em outros casos, o cenário muda completamente: a pilhagem se torna violenta, com invasões destrutivas que podem ter como objetivo tanto o saque em larga escala quanto a conquista total do ninho. Aí estamos falando de roubo mesmo, com todas as letras.
Uma das espécies que mais se destaca nesse comportamento saqueador é a Turuçu (Melipona fuliginosa Lepeletier). Ela é conhecida como o “gigante negro e peludo” entre os Meliponíneos – lembra até uma mamangaba de tão robusta. Essa abelha pode causar sérios prejuízos, principalmente às colônias da Jandaíra Alaranjada de Manaus, que sofrem com seus ataques.
Outra espécie que merece atenção é a temida Caga-fogo (Oxytrigona tataira). Ela não só invade como também se apossa da casa de outras abelhas. Já em 1911, o pesquisador José Mariano-Filho mencionava que essa espécie era “muito temida” por outras abelhas. E com razão: suas glândulas mandibulares produzem um líquido cáustico capaz de causar queimaduras em seres humanos! Ou seja, além de agressiva com outras abelhas, ela também representa um risco para nós.
As Pilhagens dos Meliponíneos aos Apíneos e Vice-versa
Felizmente, os saques de colmeias de Apis mellifera por abelhas sem ferrão não são tão comuns. No entanto, quando há provisões ou materiais expostos, as abelhas nativas não perdem a oportunidade – especialmente aquelas espécies mais “atrevidas” que não costumamos criar no meliponário.
Algumas delas até se arriscam a invadir colmeias de abelhas com ferrão, principalmente quando percebem que estão enfraquecidas. Mas a verdade é que o contrário é bem mais frequente: as Apis mellifera têm um verdadeiro fascínio pelo cerume das abelhas nativas. Só que, nesse caso, as nossas pequenas guerreiras sabem se defender direitinho!
O problema aparece mesmo em momentos delicados, como na transferência de uma colônia para uma nova caixa. Nessa fase, a organização interna das abelhas sem ferrão fica abalada, e a defesa da colmeia enfraquece. É aí que as Apis mellifera aparecem em bando – às dezenas ou até centenas – para saquear mel, cerume ou qualquer outro recurso deixado exposto.
Comportamento e Estratégias
As abelhas pilhadoras são extremamente organizadas. Suas invasões são rápidas, coordenadas e, muitas vezes, devastadoras. Veja algumas das estratégias mais comuns utilizadas por essas espécies:
Exploração de Padrões de Fraqueza: Elas reconhecem colônias fragilizadas por doenças, falta de alimento ou manejo inadequado. A baixa defesa atrai pilhadoras, que detectam a vulnerabilidade pelo cheiro do mel ou por comportamentos lentos das defensoras.
Ataques em Grupo: A pilhagem normalmente não é feita por uma abelha isolada. A colônia pilhadora envia exploradoras que localizam uma colmeia vulnerável. Uma vez identificada, o ataque é realizado em massa, com dezenas ou até centenas de abelhas invadindo ao mesmo tempo.
Uso de Feromônios: No caso da Lestrimelitta limao, as abelhas soltam um odor muito forte — semelhante ao de limão — que serve para desorientar a colônia vítima e marcar o local do ataque, facilitando o caminho para outras invasoras.
Neutralização das Defesas: Algumas espécies pilhadoras matam as abelhas guardiãs da entrada da colmeia ou tapam com própolis os orifícios defensivos, dificultando a reação da colônia invadida.
Rápida Remoção de Recursos: Após o ataque, o objetivo principal é esvaziar rapidamente os potes de mel e pólen. Em alguns casos, as invasoras chegam a carregar partes de cria para alimentar sua própria colônia.
Esse comportamento, embora natural em ambientes silvestres, pode causar grandes prejuízos em meliponários manejados, onde as colônias são mantidas em proximidade e nem sempre estão em igualdade de forças. Por isso, é fundamental conhecer essas espécies e suas táticas para adotar estratégias eficazes de prevenção e contenção.
Consequências da Pilhagem para as Vítimas
A pilhagem tem sérias repercussões para as colônias invadidas, que podem enfrentar uma série de consequências devastadoras. A seguir, estão algumas das principais implicações desse comportamento predatório.
Enfraquecimento Total da Colônia
Uma das consequências mais imediatas da pilhagem é o enfraquecimento da colônia. Quando as abelhas pilhadoras invadem, elas não apenas roubam mel, mas também consomem recursos vitais que sustentam a colônia. Esse esvaziamento de reservas alimentares pode levar as abelhas defensoras a uma situação de estresse e desnutrição, comprometendo sua capacidade de funcionar normalmente.
Perda de Rainha, Mel e Cria
Durante um ataque, a colônia pode sofrer perdas significativas. A rainha, essencial para a reprodução e manutenção da colônia, pode ser morta ou forçada a fugir. Além disso, o mel armazenado, que serve como alimento durante períodos de escassez, é frequentemente roubado, deixando as abelhas sem suprimentos suficientes. A perda de cria também é uma preocupação, pois as larvas e pupas podem ser destruídas ou abandonadas durante o caos do ataque.
Risco de Colapso Completo e Morte da Colmeia Invadida
Se a pilhagem não for contida, o risco de colapso total da colônia aumenta significativamente. A combinação de perda de recursos, enfraquecimento das abelhas e possível morte da rainha pode levar à extinção da colônia invadida. Sem a capacidade de se recuperar, a colmeia pode sucumbir, resultando na morte do restante das abelhas e na perda de um importante polinizador e produtor de mel.
Meios de Defesa e Predadores Naturais
Muitos estudiosos e meliponicultores têm estudado e testado diferentes meios para se proteger dos ataques de abelhas-limão, e outras, em suas colônias de modo natural, sem necessidade de exterminá-las, visto que cada espécie tem sua importância na natureza.
Uma das maneiras de evitar ou diminuir os furtos e roubos entre colônias trabalhadoras vizinhas é não colocar muito próximas as suas colmeias.A distância mínima entre uma colmeia e a próxima pode ser de l,00m ou, preferivelmente, l,20m, exceto em casos experimentais e excepcionais. Assim, quase certo não haver problemas de pilhagens entre colônias de Meliponíneos que trabalham nas flores, quer sejam da mesma espécie, quer sejam de espécies diferentes.
Quanto às abelhas limão, um método simples é abrir o enxame atacado o quanto antes e assoprar para que os compostos químicos da abelha limão (no caso) se dispersem e as abelhas saiam da letargia e possam contra-atacar, retirando de forma manual as atacantes que ainda permanecerem na caixa.
Outra maneira, menos efetiva, de parar o ataque é borrifar água nas abelhas que elas imediatamente entenderão que está chovendo e voltarão para a colônia. Este método só funciona para ganhar tempo e fazer alguma proteção ou remoção da colônia para outro local, pois logo elas voltarão.
Experimentos de se usar fumaça de fumo em corda ou outros compostos que possam anular os agentes químicos das abelhas-limão que deixam a colônia em letargia têm sido feitos, com certo sucesso.
Uma das poucas espécies de abelhas conhecidas por atacar as abelhas-limão e eliminar indivíduos da colônia invadida é a Duckeola ghilianii, que parece atuar como predadora natural dessa espécie. Semelhante a abelhas como a jataí e a abelha borá, a Duckeola ghilianii é uma abelha grande. Ela possui hábitos semelhantes aos de outras abelhas, sendo uma coletora de recursos de diversas espécies vegetais, mas não é cleptobiótica. Tem sido criada em meliponários no norte do Brasil e desempenha a função de “cão de guarda” desses locais, atacando as abelhas-limão e, em algumas ocasiões, contra-atacando seus enxames.
Além disso, essas abelhas parecem não ser afetadas pelas substâncias químicas produzidas pelas abelhas-limão. Por ser nativa apenas do bioma amazônico, não se recomenda a introdução da Duckeola ghilianii em outros biomas, pois, além de ter dificuldades de aclimatação, sua presença poderia causar desequilíbrios ambientais.
O que Fazer Durante um Ataque de Pilhagem
Durante um ataque de pilhagem, é fundamental agir rapidamente para proteger a colônia afetada e minimizar os danos. Aqui estão algumas estratégias eficazes:
Isolar Imediatamente a Colônia Atacada
A primeira ação a ser tomada é isolar a colônia invadida. Feche a entrada da colmeia com uma tela respirável para impedir que mais abelhas pilhadoras entrem. Isso ajudará a conter o ataque e a proteger as abelhas defensoras.
Retirar Mel Estocado e Abelhas Invasoras com Cuidado
Após isolar a colônia, é necessário remover qualquer mel estocado que possa atrair pilhadores. Faça isso com cuidado para não causar estresse adicional às abelhas defensoras. Além disso, você deve tentar remover as abelhas invasoras que ainda estiverem dentro da colmeia, utilizando uma ferramenta apropriada para evitar ferimentos.
Reforçar Defesas Naturais da Colônia
É importante reforçar as defesas naturais da colônia. Isso pode incluir o aumento da vigilância em torno da colmeia e a instalação de barreiras adicionais, como telas ou cercas, para dificultar novos ataques. Manter um ambiente saudável e forte para as abelhas também contribui para sua capacidade de defesa.
Transferência Emergencial de Rainha e Crias para Outra Caixa (se necessário)
Se a situação se agravar e a rainha ou as crias estiverem em risco, considere a transferência emergencial da rainha e das crias para outra caixa. Isso pode ajudar a preservar a linhagem da colônia e garantir a continuidade da população. Certifique-se de realizar essa transferência com cuidado para evitar estresse ou danos.
Essas ações rápidas e decisivas podem ajudar a proteger a colônia durante um ataque de pilhagem e aumentar suas chances de sobrevivência.
Considerações Finais
A pilhagem é um comportamento significativo e muitas vezes prejudicial no mundo das abelhas, representando um desafio constante para apicultores e meliponicultores. Ao entender as causas, as espécies envolvidas e as consequências deste fenômeno, podemos adotar estratégias mais eficazes para proteger nossas colônias. As ações preventivas, como o monitoramento regular e o fortalecimento das defesas naturais, são essenciais para minimizar os riscos de pilhagem.
Além disso, a conscientização sobre o comportamento de abelhas pilhadoras e a importância de manter uma distância adequada entre colmeias podem ser determinantes na mitigação desses ataques. A introdução de predadores naturais, pode oferecer uma solução adicional, embora deva ser feita com cautela para evitar desequilíbrios ecológicos.